Quando um condomínio contrata a auditoria administrativa não espera que alguns itens do livro de reclamações seja analisado e conste do relatório final. Mas, isso não é estranho para o Administrador que faz esse trabalho. A auditoria inclui a resolução de problemas como parte da gestão do condomínio.
Este artigo tem origem em um caso pessoal deste auditor que foi inquirido pela sua esposa sobre o barulho que estava fazendo na sua oficina. Os homens nascidos no milênio passado têm como hábito ter um espaço seu na garagem ou em algum outro canto da casa que usa para pequenos consertos - isso parece que foi abandonado atualmente. A esposa alertou que suas marteladas poderiam incomodar os vizinhos e que eu poderia tomar no mínimo uma advertência.
O horário de silêncio na cidade
Existem muitas leis a respeito de barulho e (estranhamente) cada município legisla de forma diferente. Tomamos o caso da cidade de Ribeirão Preto, em que a questão do silêncio é definida por lei municipal:
ARTIGO 7º - O nível máximo de som ou ruído permitido a alto-falante, rádios, orquestras, instrumentos isolados, aparelhos ou utensílios de qualquer natureza, usados para qualquer fim em estabelecimentos comerciais ou de diversões públicas, como: parques de diversões, bares, cafés, restaurantes, cantinas, recreios, "bits", cassinos, "dancing" ou cabarés, é de 55 dB (cinquenta e cinco decibeis), no período diurno, horário normal das 7 (sete) às 19 (dezenove) horas, medidos na curva "B", e de 45 db (quarenta e cinco decibeis), no período noturno das 19 (dezenove) às 7 (sete) horas do dia seguinte, medidos na curva "A" do "Medidor de Intensidade do Som", à distância de cinco metros de qualquer ponto da divisa do imóvel onde se localizem. (Lei Municipal 1916, de 18/05/1967)
Nos locais onde existirem recintos de diversões, a Prefeitura é obrigada a instalar os níveis de ruído admissíveis:
Fica a Prefeitura Municipal obrigada a instalar, em recintos de diversões, próprios, vias e logradouros públicos, placas informativas dos níveis máximos de som ou ruído permitidos, de conformidade com a Lei Municipal nº 1.916, de 18 de maio de 1.967.(Lei Municipal 3733, de 12/03/1980)
Então, admitindo-se que existem estas Leis Municipais, a partir das 19h00 os recintos de diversões não poderiam estar com volumes altos. Para se ter uma noção do que é 55 dB (cinquenta e cinco decibéis), tomei como base a reclamação da minha esposa sobre outro aspecto. Pedi que ela usasse o app no seu celular que mede os decibéis para apurar o volume do meu ronco. E, para meu espanto, próximo da cama dava exatamente 54 dB. Ou seja, se eu fosse uma casa noturna e ela estivesse a 5 metros, eu estaria perto de ser multado pela Prefeitura. Felizmente, a esposa é compreensiva e o barulho do meu ronco não ultrapassa esse volume até a casa do vizinho (suponho).
Então, como a Prefeitura não afixa a placa com os limites de volume máximo permitido nos recintos de diversões, não há como cumprir a lei municipal e, portanto, é permitido qualquer nível de barulho de casas noturnas por toda a cidade.
E, dessa forma, o barulho do salão de festas a 300 metros (3 quarteirões) da minha casa e que incomoda nos finais de semana até as 7h00 (quando acaba a festa), não é enquadrável nestas leis municipais. Até porque a justificativa da casa de festas é que há um efeito acústico que faz refletir o som interno da casa e se projetar no condomínio onde moro.
O horário de silêncio no condomínio
Por outro lado, quando se fala de condomínio, a coisa é diferente. O barulho de casas de diversões próximas a condomínios não têm limitação por falta da placa que a Prefeitura deveria afixar (de acordo com a Lei Municipal). Mas, dentro do condomínio isso pode ser proibido na Convenção ou no Regulamento Interno. Então, mesmo que o vizinho externo ao condomínio esteja com o som a 90 dB, dentro do condomínio (na mesma hora) deve existir silêncio sepulcral.
Quando morei em um condomínio vertical, o vizinho do andar de cima costumava bater sua cama contra a parede de forma intensa por alguns minutos rotineiramente, com seguidas expressões (não publicáveis) e outras expressões guturais. O duto de ventilação das suítes era comum e este barulho passava por vários andares, sendo ouvido por todo aquele lado do prédio. Virou até piada (de mau gosto) quando não acontecia ou o ritmo não era constante, já que um jovem aproveitava a batida para simular um rap em alto som do seu andar (aliás, de muito bom gosto).
Essa questão não se limita ao quarto do casal (?) e pode acontecer também na área de serviços. Um caso tornou-se público quando uma senhora teve que fazer uma gravação e mostrar que os gemidos ouvidos do seu apartamento eram feitos pela sua máquina de lavar e que as insinuações sobre ela eram infundadadas. Este vídeo circulou por uma rede social, mas não foi possível identificar a autoria:
O auditor de condomínio e a questão das reclamações
Nota-se que muitos síndicos relutam em que o auditor de condomínio tenha acesso ao livro de reclamações. É algo natural já que ali estão os problemas manifestados pelos moradores.
Entretanto, na auditoria administrativa, diferentemente da auditoria contábil ou aquela feita por um advogado ou engenheiro, são considerados aspectos da gestão que outras áreas de auditorias ignoram por não serem escopo de suas profissões.
O auditor deve indicar se o tempo de resposta e a qualidade destas respostas é aceitável. Mas, como em muitos condomínios a quantidade de reclamações é elevada, é admissível que esta análise seja feita apenas de modo amostral. Isso é feito tomando-se uma página aleatória do livro e confirmando o procedimento.
Não se trata de uma exceção, mas de um método avaliar a qualidade da gestão e não deveria existir resistência do síndico quanto a esta verificação.
O Condomínio deve fingir que nada está acontecendo?
No caso de violência, seja de que tipo for, o condomínio pode ser responsabilizado. Veja a seguinte situação: um ator foi espancado na recepção de um prédio e o porteiro assistiu e só tomou providências depois que o síndico autorizou. Saiba mais aqui "Porteiro que presenciou agressão a Victor Meyniel é autuado por omissão de socorro", e aqui mais uma visão do mesmo caso "Delegada fala sobre espancamento do ator Victor Meyniel e prisão | Primeiro Impacto (04/09/23)"
Houve a falta de um Procedimento Operacional Padrão (POP). Deveria existir uma pasta explicando exatametne o que o Porteiro deve fazer em caso de violência. E todos os POPs desta pasta deveriam ser de conhecimento total do Porteiro.
A consequência é que ele, provavelmente, se defenderá ao afirmar (com razão) que sua função foi definida claramente e que estava impedido de agir como segurança (ou algo parecido) e irá se safar. Quem será responsabilizado em última instância? O síndico.
Em se tratando de violência doméstica, quando se sabe que há alguém batendo e alguém apanhando - não é o mesmo caso?
Suponha que vizinhos reclamam de uma residência onde ocorre violência doméstica - a omissão foi repassada dos vizinhos para quem atendeu o telefone - supostamente, a portaria. Se houve pedidos de socorro e houver uma fatalidade, esta situação poderá fazer parte da investigação criminal.
O que diz a lei sobre a questão do barulho dos vizinhos
Existe, no código civil, algumas leis sobre a questão da convivência em vizinhança nos arts.1277 a 1313. Entre estes, o primeiro merece destaque:
Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.
Note que o sossego do vizinho é protegido por Lei. Isso é muito importante pois é a base legal que qualquer Condomínio pode usar para justificar a cobrança de multa. Isso precisa estar descrito no Regulamento Interno ou na Convenção.
Advertência e Multa tem fundamento legal
A esmagadora maioria das Convenções de condomínio já inclui a possibilidade de advertir e multar o morador que esteja incomodando os vizinhos com barulho. Mas, poucas pessoas sabem que esse problema também foi definido por lei desde 1941:
Art. 42. Perturbar alguem o trabalho ou o sossego alheios:
I – com gritaria ou algazarra;
II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais;
III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;
IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda:
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis. (Lei das Contravenções Penais, DECRETO-LEI Nº 3.688, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941)
Então, se a intenção do síndico for a de não judicializar a questão do barulho, ele pode usar a advertência e multa previstas na Convenção. E, caso aconteça uma piora na situação, poderá acionar o advogado do condomínio para buscar uma solução mais adequada. Normalmente, a advertência causa tumulto, mas é etapa necessária. E, posteriormente, a multa acaba por dar fim ao problema.
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